Por que está acabando a água?

Escrito por Nicole B. L. Sigaud fundadora do Núcleo Caetê de Educação, Meio Ambiente e Cultura
Amparo, 23 de outubro de 2014

     Desde que as primeiras estradas rasgaram a floresta Amazônica para permitir a colonização, há pelo menos quatro décadas, a floresta vem sendo desmatada. Atualmente a área da floresta foi reduzida em 20% da área original, uma área maior que França e Alemanha juntas. O desmatamento ocorre principalmente para a abertura de pastagens para o gado (78%) ou áreas agrícolas (especialmente para a cultura de soja), para o corte de árvores, destinadas ao comércio ilegal de madeira, para assentamentos humanos em função do crescimento populacional na região e abertura de estradas. 

     A Amazônia bombeia para a atmosfera a umidade que vai se transformar em chuva nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, principalmente as chuvas que ocorrem no verão (de longa duração), que são as responsáveis por recarregar os principais reservatórios da Região Sudeste. Isso acontece devido à existência da Cordilheira dos Andes, que barra a umidade trazida do oceano pelos ventos e que acaba caindo na forma de chuva, fornecendo as condições ideais para a existência da floresta. As raízes das árvores sugam a água da terra, e pela transpiração uma árvore bombeia diariamente uma média de 500 litros de água para a atmosfera. A Amazônia inteira é responsável por levar 20 bilhões de toneladas de água por dia do solo até a atmosfera, 3 bilhões de toneladas a mais do que a vazão diária do Amazonas, o maior rio do mundo. Toda essa água bombeada para o ar forma os chamados “rios voadores”, dos quais inclusive se tem registro em filmagens.
     Para comprovar esse dado, basta observar que nas mesmas latitudes do planeta tudo é deserto, menos na América do Sul, pois a tendência dos ventos que vem dos oceanos é de atravessar o continente, de uma ponta à outra. Porém neste caso, os ventos ao esbarrar na cordilheira, desviam para o Sul.
     Contudo, além de estarmos reduzindo a quantidade de árvores que realizam essa função na Amazônia, o que resulta em uma diminuição da umidade que é trazida pelos ventos, no estado de São Paulo, a devastação da Mata Atlântica permite a formação de uma massa de ar quente na atmosfera, que é tão densa, que bloqueia a chegada dos “rios voadores”, já enfraquecidos. Estes ficam represados no céu e acabam desaguando no Acre e em Rondônia, onde foram registradas este ano as maiores enchentes da história.
     As chuvas quando acontecem em nossa região encontram solos desprotegidos, devido à devastação da vegetação ou impermeabilizados por concreto e asfalto nas cidades. O solo desprotegido acaba sofrendo, ao longo do tempo, compactação pela expansão e contração, provocada pelo umedecimento (chuvas) e secamento (exposição solar). Outro fator que gera a compactação do solo é o pisoteio, principalmente do gado nas pastagens e tráfego de máquinas agrícolas e outros veículos. A compactação do solo prejudica a formação das raízes das plantas, dificulta a infiltração da água das chuvas, que abastece os lençóis freáticos, além de favorecer a erosão provocada pelas chuvas, que é o deslocamento de terra devido ao impacto da água. Essa terra solta acaba sendo arrastada pelas águas, que não se infiltraram no solo, para dentro de rios, alterando completamente as características químicas da água. E se o rio sofrer um assoreamento intenso pode secar totalmente, assim como acontece quando se joga mais terra do que água em um balde com água.
     Quando se tem plantas (árvores são as que melhor desempenham essa função) protegendo o solo, as folhas e galhos amortecem o impacto da água, e as raízes envolvem a terra mantendo-a firme, evitando a erosão. A água escorre pelos troncos até atingir as raízes, que abrem espaço na terra para a passagem da água, além de fornecer matéria orgânica que é o alimento para os “moradores” do solo (minhocas, insetos e outros), que também abrem túneis para a passagem de água. As raízes absorvem grande parte da água e também a liberam gradativamente, funcionando como filtros vivos, que retiram, isolam ou inativam contaminantes e recarregam os aquíferos, garantindo o abastecimento contínuo das nascentes. O desmate da vegetação que recobre as bacias hidrográficas encarece em cerca de 100 vezes o tratamento necessário para tornar a água potável, de acordo com a Agência FAPESP, e consequentemente aumenta a quantidade de substâncias químicas necessárias para o tratamento. Com a redução da vegetação, a água das chuvas que não infiltra no solo causa enchentes e enxurradas, percorrendo a superfície do solo até ser direcionada para um rio. Quando o rio recebe um intenso volume de água, ocorre o transbordamento e as águas podem atingir tamanha força que podem seguir destruindo tudo pela frente, um exemplo disso é o crescente número de casos de mortes por trombas d’agua nos últimos anos. E como os rios seguem em movimento, sendo seu destino o mar, esse volume monstruoso de água passa rapidamente pelas cidades, sem que haja tempo para aproveitá-las.
     Refletindo sobre tudo isso, acreditar que represar a água é a solução do problema é uma ilusão, essa é somente uma medida de resultado rápido, pois nos dará uma sobrevida, concentrando o pouco de água que nos resta. Assim, destruiremos mais florestas, para dar lugar a uma represa e manteremos nossos hábitos de vida, como se não devessemos nos preocupar, acreditando que a chuva virá e resolverá todo o problema, assim não precisamos nos incomodar.
    Originalmente no estado de São Paulo, 80% da área era recoberta por florestas, no entanto, o intenso processo de ocupação do interior paulista conduzido pela expansão da agropecuária levaram, nos últimos 150 anos, a uma drástica redução dessa cobertura para cerca de 7% da área do estado. O Brasil, sem contar a Amazônia, ou seja, o território que reúne Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal, perdeu 59% da sua vegetação original, o equivalente às regiões Nordeste e Sudeste juntas, de acordo com dados do IBGE do ano de 2012.
     A partir da colonização do Brasil, recebemos um grande número de imigrantes europeus, os quais trouxeram com eles os alimentos que estavam acostumados a comer. Esse processo de integração entre culturas se intensificou ao longo dos anos, recebendo o nome de globalização. E com a globalização, passamos a trazer para o cultivo e criação, cada vez mais espécies vegetais e animais de outros países, para finalidades econômicas. A maioria das espécies que compõe nossa alimentação hoje em dia não é nativa do Brasil, das 20 frutas mais consumidas somente 3 são nativas, isso sem falar em verduras e hortaliças. Grande parte não é nem do nosso continente, são espécies originárias de outro clima e ambiente. Tomemos como exemplo o alface e o gado, que não são nativos do Brasil, mas são alimentos muito consumidos aqui. O alface é uma planta que em climas quentes como o nosso, precisa ser irrigada diariamente, em dias de verão pode precisar ser irrigada até mais de uma vez por dia. Enquanto cultivamos o alface, outras plantas que também são comestíves crescem espontaneamente em nossa terra, mas são consideradas daninhas, pois concorrem com as exóticas (não nativas) que insistimos em plantar. Então arrancamos e destruímos o que é natural da nossa terra, porque queremos cultivar aquilo que cresce na terra dos outros. Sendo que o que é nativo é adaptado ao nosso clima, solo e regime de chuvas, não exigindo assim gasto de água, adubos químicos e agrotóxicos. Já o gado é nativo de uma região mais árida, onde não há floresta, então como queremos criar gado destruímos nossas florestas, para formar pastos e deixar o ambiente aqui similar ao de onde ele veio.
     Outro forte exemplo é o eucalipto, nossa floresta nativa foi em grande parte substituída por uma floresta de eucaliptos (a maior parte da tal madeira reflorestada) que é nativo da Austrália e possui um crescimento extremamente rápido, portanto absorve muita água para suprir suas demandas e em ambientes de baixa quantidade de chuvas, provocam o ressecamento do solo e prejudicam o crescimento de outras espécies. Outro fator importante é que seu plantio próximo a uma bacia hidrográfica pode comprometer a quantidade de água dos lençóis freáticos, tanto localmente quanto a jusante, já que a grande disponibilidade de água acelera ainda mais o seu desenvolvimento e por consequencia sua demanda de água aumenta.
     Esses são apenas alguns exemplos que demonstram nossa grande desconexão com a natureza, além disso, utilizamos excessivamente água, adubo e agrotóxicos, para fazer espécies vegetais que são de época, produzindo fora de época. Nem conhecemos mais a época dos alimentos. Estamos indo totalmente contra as leis da natureza.
Se nos atentarmos aos dados, segundo Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil de 2012, a irrigação responde por 72% da água consumida no Brasil, a indústria por cerca de 20% e somente 8% ao uso doméstico. Não podemos praticar o uso indevido da água na atual situação, porém o mais grave deles ainda estamos tratando com naturalidade. Observamos as pessoas se degladiarem por causa da lavagem de carros e calçadas, mas as vemos sorrindo umas para as outras nos supermercados comprando alimentos fora de época.
     Precisamos expandir nossa visão, fomos ensinados a exergar apenas as partes e estamos cegos para o todo. Por mais que custemos a aceitar, a realidade é: repensar nossa alimentação e postura como consumidores é a atitude mais importante, se quisermos economizar água.
A responsabilidade é nossa, os consumidores são quem direcionam o mercado. A agricultura e a indústria existem para abastecer a nossa demanda, se as pessoas passarem a consumir menos determinado produto, sua produção passa a ser menos lucrativa e então o produtor vai procurar uma atividade que seja mais lucrativa. Se as empresas ou indústrias que estão adotando medidas mais sustentáveis tiverem um destaque maior no mercado do que as demais, a tendência é que as demais queiram seguir a mesma linha.